O dono do “melão”

by Monique Dantas
A trajetória de um apaixonado por dramaturgia que virou colaborador de telenovelas da Rede Globo

Eram pouco mais de 10 horas do dia 23 de maio de 2014, quando Vítor de Oliveira, 37 anos, me recebeu em seu apartamento, no bairro das Laranjeiras, localizado na zona Sul do Rio. Perguntou se foi fácil chegar a sua residência, um apartamento de cinco cômodos, que fica no 15° andar de um edifício cercado de grades na entrada. “Você apertou a campainha? Eu não tinha ouvido o barulho para abrir a porta”, disse. Para ir aos apartamentos do prédio, é necessário tocar o interfone para que o porteiro libere a primeira porta, que leva a um corredor em forma de rampa. Esta leva à segunda porta, já desbloqueada pelo porteiro, e assim é possível chegar à terceira porta, de onde se alcança o elevador do térreo. Após alguns segundos em frente ao apartamento, Vítor abre a porta e convida para entrar . Vítor estava vestindo uma blusa azul com riscados cinza, óculos de grau com armação também azul, como fosse uma combinação com a roupa, e bermuda bege clara cheia de bolsos. Usa sempre boinas, sendo a daquele momento de estampa xadrez, que, segundo ele, é para esconder os poucos cabelos que tem. Raramente aparece em fotos sem usar o acessório e atualmente usa bigode e cavanhaque.

 

Simpático e atencioso, Vítor convidou-me a sentar no sofá de três lugares da sala de estar. De estatura média e pele branca, levemente avermelhada, ele pouco sorri. A paixão do roteirista da Rede Globo por cinema está estampada em vários objetos com estampas de atrizes hollywoodianas como Audrey Hepburn, em fotografias e porta-canetas, e de Elizabeth Taylor, numa almofada que enfeita a poltrona da sala, e de Greta Garbo. Amante da teledramaturgia brasileira, Vítor comemora a sua segunda parceria com o dramaturgo e telenovelista Alcides Nogueira, com quem trabalhou na novela das 23 horas “O Astro”, remake lançado em julho de 2011, a partir da trama original de Janete Clair de 1977, com 64 capítulos. A atual parceria resultará na futura trama das 19 horas, a ser chamada de “Lady Marizete”, uma sátira da personagem Lady Macbeth, da tragédia “Macbeth”, de William Shakespeare. A novela tem previsão de estreia para abril de 2015 e contará com a atriz e humorista Tatá Werneck como protagonista.

Segundo Vítor, já foi entregue o primeiro bloco de capítulos. “O trabalho está mais tranquilo agora, mas quando a novela entrar no ar, aí acaba o sossego. Será um trabalho atrás do outro”, conta. A princípio, serão 150 capítulos na história. “Por ser novela das 19 horas, ela deve ter essa pegada de humor”, explica. No dia anterior, ele foi à reunião da equipe de autores da novela, que terá como coautor Mário Teixeira, colaborador de tramas da Globo como “O Cravo e a Rosa” (2000), escrita por Walcyr Carrasco. Seu colega de profissão e amigo Tarcísio Lara Puiati, da mesma equipe de “O Astro”, também estará no time de colaboradores da novela. Tarcísio fez a Oficina de Autores da Globo junto com o Vítor em 2010 e os dois voltarão a trabalhar juntos em “Lady Marizete”. Por enquanto ele não pode dar mais detalhes sobre a obra, pois está em fase de pré-produção, e o dramaturgo explica de forma contida, para não escapar algo que não poderia ser dito naquele momento da entrevista. “As conquistas femininas serão destaque em ‘Lady Marizete’”, adianta um pouco sobre a trama principal.

Para entrar no seleto grupo de alunos da Oficina de Autores da Rede Globo, Vítor venceu mais de 500 candidatos, mesmo sem ter grandes experiências na área de teledramaturgia. Teve aulas de roteiro com o roteirista da série “A Grande Família” Max Mallmann. Para ele, foi uma mistura de “Tropa de Elite” com o “Big Brother Brasil”. “Mesmo com todo o aprendizado durante quatro meses, não deixa de ser uma entrevista de emprego, pois no final daquele processo todo do curso, eles vão escolher quem vai ser contratado. É uma competição e existe tensão o tempo todo”, diz, gesticulando muito com as mãos no momento da conversa. Antes da oficina, o ex-funcionário público teve, em 2007, aulas com a autora de novelas Maria Carmem Barbosa, parceira de Miguel Falabella em novelas como “Salsa e Merengue” (1996) e “A Lua me disse” (2005), o que impulsionou a sua vocação para escrever dramaturgia. Após o término do curso, foi contratado logo em seguida e está há quatro anos na Rede Globo.

A novela “O Astro” foi a primeira experiência de Vítor como colaborador de telenovelas. O convite para integrar o time de autores partiu de Alcides Nogueira, seu amigo pessoal, assim que o roteirista terminou a Oficina de Autores. Vítor entrou para a equipe em abril do mesmo ano. Além dele, Alcides e Tarcísio Lara Puiati, o escritor Geraldo Carneiro foi um dos autores titulares da trama, que inaugurou o horário das 23 horas, por encomenda do diretor de núcleo da emissora carioca Roberto Talma. Fez parte das comemorações dos 60 anos da telenovela no Brasil. E a produção ganhou em 2012 o prêmio Emmy Internacional como a melhor novela do mundo de 2011. Foi a segunda novela a ganhar este prêmio, pois o primeiro foi “Caminho das Índias” (2009), escrita por Glória Perez. “A parceria com o Alcides é maravilhosa, ele é incrível. Acho que dei muita sorte porque, além de ser o profissional que ele é, ele é muito generoso”, conta. Perguntado se acredita em horóscopo, que era a temática da novela, Vítor diz que não liga para essas coisas, mas crê na astrologia como ciência que influencia nas marés e exige cálculos matemáticos para elaborar um mapa astral.

Depois da tensão ao enfrentar o processo seletivo da oficina, Vítor fala que o trabalho com Alcides foi totalmente o oposto, pois o novelista sempre incentivava os seus colaboradores, elogiava os textos deles e entregava muitas cenas de “O Astro” para todo mundo escrever. “Foi uma produção pensada de forma muito rápida e que deu certo. É a minha estreia como colaborador de telenovelas num horário novo, num formato novo”. Sobre a emoção em escrever para os atores consagrados da televisão, Vítor relata que foi uma grande emoção ter o seu texto falado por grandes ídolos como Regina Duarte, Francisco Cuoco e Rosamaria Murtinho, que participaram da novela exibida há três anos. “Imagina uma criança, que cresceu em frente à televisão, virando a minha babá eletrônica, sendo filho único e vendo todas aquelas novelas e os seus atores, estar perto deles numa mesma produção? É a realização de um sonho. Ao mesmo tempo em que é um sonho estar com tanto profissional de peso, é preciso ser profissional na hora de escrever as cenas para eles”, recorda, de forma entusiasmada, a experiência, com uma entonação um pouco fechada.

Quanto à Regina Duarte, ele conta que foi um privilégio escrever uma das cenas mais engraçadas de “O Astro”, no qual a personagem Clô Hayalla, feita pela atriz, faz cara de nojo quando um garçom da festa (amigo da personagem Lili, nora de Clô e interpretada por Alinne Moraes) serve uma linguiça à madame, durante uma cena que a moça oferece um churrasco na mansão da sogra. É uma homenagem a Alcides, que foi colaborador de Sílvio de Abreu em “Rainha da Sucata” (1990), em que uma das cenas foi referência para o remake, quando a personagem Maria do Carmo (personagem de origem pobre que enriqueceu) oferece uma linguiça à personagem de Glória Menezes (Laurinha Figueroa), madame falida, e esta última desdenha da comida que ela considera ser de gente pobre. E também era um churrasco, só que na casa da Maria do Carmo. “Também foi uma homenagem à Regina por causa de ‘Rainha da Sucata’”, conta Vítor. “Imagine escrever para Regina Duarte?! Você ter o seu texto, mesmo que o mundo inteiro não saiba quem escreveu, mas você sabe que elaborou o texto, ser falado da maneira genial que Regina fez, é uma emoção muito grande. Eu a conheço desde que me entendo por gente, tinha medo dela na novela ‘Sétimo Sentido’ (de 1982, quando ele tinha apenas cinco anos de idade), pois não compreendia nada do que se tratava”, relembra aos risos.

Vítor Santos de Oliveira nasceu em Petrópolis, cidade da Região Serrana do estado do Rio de Janeiro, no dia 15 de janeiro de 1977. Filho de pais separados e de família de classe média baixa, foi funcionário público na cidade imperial e chegou a trabalhar para a Junta Militar e no Tribunal Regional Eleitoral (TRE), antes de entrar para a faculdade. É formado em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) desde 2004. Desde cedo teve vocação para escrever novela ou peça de teatro. Foi aluno do mestrado, porém abandonou no último ano para se dedicar a cursos de roteiros em dramaturgia. Quando estava com sete anos de idade, seus pais se divorciaram e ele foi criado pela avó paterna. Assim que ela faleceu, passou a ser cuidado na casa da tia, irmã de seu pai. “Minha mãe sempre trabalhou fora, na rua Teresa (via de Petrópolis conhecida pelas lojas de roupa) e não tinha tempo para ficar comigo.” Vítor sempre se considerou bom aluno na escola, exceto em matemática. Gostava mais de português, literatura, áreas ligadas a sua vocação como escritor e dramaturgo. Torcedor do Fluminense, explica que só vê futebol quando tem o jogo do tricolor carioca ou da Seleção Brasileira em época de Copa do Mundo. Para ele, com ou sem protestos vai ter Copa, embora tenha preferência pelos Jogos Olímpicos. “Gosto mais das Olimpíadas do que da Copa do Mundo.” É uma pessoa muito família e sempre quando pode, visita a mãe, Mari Oliveira, que mora em Vassouras, cidade do interior fluminense.

Mari tem 61 anos e é natural de Petrópolis, como o seu filho Vítor. Na opinião dela, ele é um bom filho em tudo. “Nossa convivência é pouca, porque moramos em cidades diferentes, mas sempre estamos sempre em contato e quando ele vem aqui em casa, é sempre ótimo. É carinhoso, dedicado, muito estudioso, sempre correu atrás de seus objetivos. Ótimo filho, ótimo sobrinho, tudo de bom. Tenho muito orgulho dele”, escreve por mensagem direta na rede social Facebook. Tem os traços do rosto semelhantes aos do filho, é mais baixa do que ele e aparenta ser mais irmã do que mãe do roteirista. Cabelos escuros e lisos na altura dos ombros, olhos levemente puxados e rosto arredondado, tem a pele mais morena do que a do seu filho único. Fez aniversário recentemente, no dia 24 de maio, e Vítor fez questão em homenageá-la, mesmo à distância, para comemorar a data. Mari foi lembrada por ele também no Dia das Mães.

Na sala do apartamento de Vítor, havia sobre a pequena mesa de escritório de cor marrom clara, próxima à janela coberta por persianas, um notebook preto, que é o seu instrumento de trabalho na hora de escrever capítulos de novelas e roteiros para teatro e cinema. O computador portátil estava cercado de porta-canetas com fotos de Audrey Hepburn e de muitos livros. Obras de diversos assuntos, desde os ligados ao cinema até os clássicos da literatura. Notívago declarado, Vítor escreve de quatro a cinco horas por dia, em regime de trabalho home office, pois só consegue trabalhar no horário noturno, ao mesmo tempo em que acompanha as suas tramas preferidas no Canal Viva, canal de tv paga, como as reprises de “Dancin’ Days” (1978), de Gilberto Braga, e “História de Amor” (1995), de Manoel Carlos. Ambas são exibidas de madrugada e o noveleiro costuma comentar as tramas pelo Twitter com seus amigos, em tempo real. Em frente ao sofá, coberto de tecido vermelho, um rack rodeado de DVDs de músicas, como os das grandes cantoras da MPB Gal Costa e Maria Bethânia, duas de suas intérpretes favoritas, e de filmes clássicos com Elizabeth Taylor e Greta Garbo, só para citar algumas coleções.

Chamou a atenção também, na parte de baixo do rack, os vários porta-CDs organizados com uma grande quantidade de cópias de vídeos de novelas antigas da Rede Globo, das décadas de 1970 e 1980. Vítor se levanta em direção à estante, pega dois desses porta-CDs e mostra a vasta coleção de novelas globais que já foram reprisadas, as que nunca foram e até de tramas que são raríssimas de se encontrar, até no Youtube. “Tem as novelas ‘A Gata Comeu’ (1985), ‘A Sucessora’ (1978), ‘Sol de Verão’ (1982), ‘Vale Tudo’, entre outros. Você já ouviu falar nas novelas “Olhai os Lírios do Campo’ (1980) e ‘Vejo a Lua no Céu’?”, pergunta, surpreso. Junto com essa imensidão de novelas gravadas em DVDs, há dois aparelhos gravadores de DVD que ele raramente usa, pois um deles está quebrado. Costuma gravar as novelas do Canal Viva pelo mecanismo de gravação da operadora de tv paga. Depois passa para o DVD e assim aumenta a galeria de novelas e seriados que tem na sala de estar. Confessa que não contou o número de DVDs do seu acervo, além de não ter assistido a algumas deles. Vítor considera “Tieta” sua novela favorita, pelas memórias afetivas que a trama desperta nele, e não se cansa de vê-la também por causa da sua grande musa das telenovelas, Betty Faria. A atriz é a personagem título da trama adaptada do romance de Jorge Amado. A novela foi escrita por Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares em 1989 e a protagonista marcou a carreira artística de Betty, de quem o professor é fã declaradamente apaixonado. O colaborador de novelas fala com carinho sobre a sua admiração pela atriz com brilho nos olhos, e diz que pensa em escrever algo para ela na TV.

Betty Faria gravou um depoimento que fez parte de uma das cenas da peça escrita por Vítor em 2007, e lançada em 2012, “O que terá acontecido a...Nayara Glória?”, com apresentações nas cidades de São Paulo e São Caetano do Sul. “Foi algo bem informal, mas já é o início da parceria com a Betty, não é? Pretendo trabalhar com ela”, diz Vítor. “Ela é uma pessoa muito simples, apesar de ser a estrela que é. Com ela não tem muita cerimônia, está sempre com alto-astral e é muito engraçada. A convivência era mais de fã e atriz, mas depois da peça sobre Nayara Glória, isso se tornou mais profissional.” Conta que não é amigo íntimo de Betty, mas a relação deles é de muito afeto, no qual um torce pelo outro. Já tirou várias fotos com ela e a emoção em encontrar a atriz no início era tanta, que deixava a pele branca do rosto do fã bem avermelhada. Vítor tem uma coleção inteira de DVDs com os capítulos de “Tieta”. Uma curiosidade é que o roteirista participou do programa “Vídeo Show”, numa homenagem a sua musa, convidando os amigos do fã-clube para responder perguntas sobre a carreira da diva das novelas.

Betty Faria é a musa preferida do blog “Eu Prefiro Melão”, criado por Vítor de Oliveira em 2009, para reunir as suas memórias afetivas sobre atores, atrizes, novelas antigas e recentes, tudo relacionado à teledramaturgia no Brasil, sua paixão desde infância. Ela é a atriz mais citada nas postagens do blog televisivo. O nome do blog tem origem no bordão eternizado pelo personagem Dom Lázaro Venturini, interpretado por Lima Duarte, na novela “Meu Bem, Meu Mal” (1990), escrita por Cassiano Gabus Mendes. A história é curiosa: Dom Lázaro sofre um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e quando está em tratamento médico, a enfermeira lhe pergunta se o empresário prefere mamão ou melão. E ele responde com a boca torta, por causa da metade do rosto paralisado, que prefere melão. Essa frase marcou para sempre a vida do noveleiro,. O sucesso do blog, que durou quatro anos e no qual não são mais publicados novos textos por conta dos vários compromissos de seu dono, foi tanto que o mesmo virou o livro “Eu prefiro Melão - Melhores momentos de um blog televisivo”, lançado em 2012. O blog abriu portas para o roteirista quando ele entrou para a Oficina de Autores da Rede Globo. “Quando falei do blog ‘Eu Prefiro Melão’ na entrevista para entrar na oficina, uma pessoa perguntou surpresa: ‘você que escreve o Melão?’. Quando fui selecionado pela emissora para entrar no time de colaboradores, recebi uma carta, com papel timbrado e tudo, com a mensagem da Rede Globo dizendo ‘Nós preferimos Melão’.”

Vítor demonstra tranquilidade e é bastante disponível para responder a diversos tipos de perguntas sobre vários assuntos. Sobre o seu trabalho de colaborador, explica detalhadamente como é feito o processo de produção de roteiros para novela. “O meu trabalho é mais ou menos em casa, não é de bater cartão. Tem dias em que não tenho nada para fazer, nos outros dias é necessário escrever para cumprir prazos de entrega dos capítulos. Trabalho de madrugada e vou até às seis da manhã.” Segundo ele, há prazos para entregar os capítulos, senão atrasa o diretor, os atores e toda a equipe da novela. A primeira experiência de Vítor como roteirista foi o filme “Corra, Biba, Corra” (2007). O curta-metragem experimental foi exibido no Festival Mix Brasil no mesmo ano e selecionado para o Festival Cuco On Line 2008. Também esteve presente no Cine Clube LGBT em 2009, voltado para um público formado por lésbicas, gays, bissexuais e transexuais. Vítor considera o roteiro bem trash, mas o curta fez muito sucesso nos festivais de cinema. “Ficou bem cult após participar de diversos festivais”, conta novamente aos risos. Durante a entrevista, o roteirista verifica o seu celular, que emitia assobios para notificá-lo dos recados recebidos pelo aplicativo de mensagens WhatsApp. E olha rapidamente para o Facebook, querendo saber das novidades de seus amigos.

Desde pequeno Vítor escrevia textos, inventando as suas próprias novelas. “Sempre fui uma criança observadora. Pegava uma conversa aqui e ali, junto com o resumo das revistas da TV e escrevia uma novela. Os meus personagens eram os meus vizinhos”, conta descontraidamente. Uma vez sua mãe pegou o caderno de anotações de diálogos e perguntou: “Quem te disse isso? Alguém tá mandando você escrever essas coisas?”. E o filho respondeu: “Ninguém, mãe!”. Vítor ri de toda a situação que ele criou nas suas primeiras experiências literárias na infância. Na busca pelos seus sonhos, passou por dificuldades e teve que sair de Petrópolis há 13 anos para realizá-los, se tornando autor colaborador da Globo. “Nunca imaginei estar na TV Globo. Eu morava em Petrópolis, vindo de família de classe média baixa. Para eu ser funcionário da emissora, era um universo distante”, conta, de forma contida, bem tímida, transparecendo a discrição característica de sua personalidade.

Sobre os seus autores preferidos, cita Gilberto Braga, autor de sucessos como “Vale Tudo” (1988), escrito com a colaboração de Aguinaldo Silva e Leonor Bassères. “Nove entre dez autores preferem Gilberto Braga, pelo menos da minha geração. Quem quer escrever novela, deve assisitir a ‘Vale Tudo’”, diz. Para engrossar a lista, também coloca Aguinaldo Silva, Maria Adelaide Amaral, Manoel Carlos e o próprio Alcides Nogueira, que ele considera seu mestre e grande amigo. Suas novelas preferidas são, além da trama de Gilberto Braga, “Bambolê” (1987) e “A Gata Comeu” (1985), de Ivani Ribeiro. “Cada autor tem seu estilo, sua particularidade.” Enquanto fala sobre os autores preferidos e seus estilos Vítor se ajeita no seu sofá de três lugares com assentos macios, que pareciam afundar se ficasse mais tempo parado. “Nem todo colaborador quer ser autor, conheço muitos deles que são colaboradores há anos e eles não se vêem numa novela.”. Mas Vítor sonha um dia em ser autor titular de telenovelas, assim como aconteceu com o seu mestre Alcides Nogueira. Para ele, é sempre bom ter uma renovação da safra de autores, com novos estilos de escrita, pois caso não houvesse essa mudança as novelas continuariam a ter o modelo dramalhão mexicano de Glória Magadan (autora da Rede Globo na década de 1960, que escrevia tramas com histórias obsoletas. “É natural aparecerem novos autores com novas ideias”, conta o autor, que também é fã do trabalho dos autores Filipe Migueis e Izabel de Oliveira, que assinam a novela “Geração Brasil” (que estreou no mês de maio deste ano) e “Cheias de Charme”, ambas exibidas no horário das 19 horas.

Na parte teatral, Vítor escreveu três peças com temáticas diferentes: o infantil “A Bola Mágica” (2014), a comédia “O que terá acontecido a...Nayara Glória?” (2012) e a dramática “Mãe” (2013), sendo esta última encenada em São Paulo e Rio de Janeiro com elencos diferentes. Com exceção de “Mãe”, as outras peças foram escritas por encomenda de amigos produtores. O mais recente espetáculo, “A Bola Mágica”, foi encomenda da atriz e produtora Thaís de Campos e Vítor escreveu a história junto com o seu companheiro Carlos Fernando Barros. “É sobre um menino que ganha uma bola mágica, para combinar com esse clima de Copa do Mundo.” Já “O que terá acontecido a...Nayara Glória?” foi escrita para um festival de esquetes em 2010. Não foi classificada e, em 2012, um produtor de teatro, amigo de Vítor e Carlos, levou a peça para o Festival de Esquetes “Satyrianas” em São Paulo. “Era uma peça curta e aumentei a duração dela para as encenações feitas em São Paulo e São Caetano do Sul (interior do estado de São Paulo). Fala de uma atriz decadente que fez novelas na década de 1970, que depois some da mídia. Nayara, que é megalomaníaca e acredita ser uma grande estrela, vai ao programa de auditório sensacionalista e acaba brigando no final com a jovem apresentadora, que tem a fama de ser burra. É uma peça debochada, uma brincadeira”, declara Vítor. Qualquer semelhança com os programas de auditório nos canais abertos de televisão é mera coincidência. Poderá ter apresentações em São Paulo no segundo semestre de 2014 e haverá a possibilidade de ir para o Rio de Janeiro no início de 2015. O cartaz da peça com a foto das duas personagens principais ganhou moldura e virou um quadro que enfeita a parede da sala, entre a porta principal e o acesso à cozinha do apartamento. Nesse momento aparece o companheiro dele, Carlos Fernando Barros, que chega para cumprimentar a visita e pede para que fique à vontade. De semblante calmo e usando óculos de grau, Carlos é mais velho do que Vítor e usava blusa vermelha e bermuda de cor bege clara, de chinelos “Havaianas”. Carlos sai da sala e volta para a cozinha, onde começa a fazer ligações com o celular para conversar com os amigos.

Vítor fala sobre as dificuldades em produzir uma peça de teatro com pouco dinheiro. “É muito difícil emplacar uma peça com pouco custo, é um universo muito restrito. Boa parte das peças é produzida pelos próprios atores, principalmente aqueles que estão na televisão. Autor iniciante de teatro tem que fazer tudo: escrever, produzir e dirigir. Além de entender de leis como a Lei Rouanet, por exemplo. Não basta ser autor, tem que ser tudo”, observa. O autor de teatro tem carinho especial pelo espetáculo dramático “Mãe”, no qual conta a história de uma mulher com duas filhas e um sobrinho, que se reúnem no Dia das Mães e, a partir de então, se inicia uma série de conflitos. “A peça teve duas leituras, uma na cidade do Rio de Janeiro e outra em São Paulo, com elencos diferentes e atores maravilhosos. Foi um espetáculo que me tocou muito e emocionou todos os espectadores, pois a história tem uma linguagem simples e uma comunicação direta com eles. Todo mundo tem uma história de mãe para contar”, diz. A peça foi bem recebida nas duas capitais brasileiras e o público paulistano ficou bem empolgado com “Mãe”. Para ele, só falta um produtor para colocar a peça nos grandes teatros brasileiros. A “mãe” em questão é a tia por parte de pai, que o criou quando os pais de Vítor se separaram, pois ele teve uma proximidade muito grande com ela, apesar de ter uma ótima convivência com a mãe biológica, Mari Oliveira. “‘Mãe’ é o meu xodó, um apanhado de vivências. Filho de pais separados e criado pela avó e tia, sou modelo diferente de família”, brinca. Ele deseja que a peça seja produzida de forma bacana, com patrocínio e tudo.

A capital paulista está nos planos de vida pessoal e profissional de Vítor de Oliveira. De vez em quando costuma ir a São Paulo para compromissos profissionais e para reencontrar alguns amigos que moram na cidade. “Diferente do Rio de Janeiro, que é uma cidade diurna por causa das praias e onde estou morando há 13 anos, São Paulo é aquela coisa da descoberta, pois vou pra lá algumas vezes. Vou a lugares onde nunca fui por indicação de amigos.” Ele pretende um dia passar uma temporada de seis meses a um ano para aproveitar melhor a cidade. Na sua opinião, os paulistanos costumam ir ao teatro com mais frequência, independente do ator ser da Rede Globo ou não, sendo um público fiel às atrações teatrais. Vitor diz que São Paulo combina mais com o seu lado cinéfilo e cultural.

Entre os seus amigos paulistanos, está Ivan Márcio Gomes, de 39 anos, que conheceu Vítor em 2008 por meio de comunidades sobre teledramaturgia no site de relacionamentos Orkut. Além de terem afinidades em comum, Ivan e Vítor tem a mesma paixão pela atriz Betty Faria. Aceitou falar sobre o seu grande amigo por e-mail, já que ele reside em outra cidade. Quando Vítor o visita, eles gostam de ir para uma padaria chamada Bela Vista, um dos locais mais charmosos de São Paulo. Vão também ao teatro e ultimamente têm ido aos karaokês no bairro da Liberdade, bairro turístico da região central da cidade. Coleciona também muitos DVDs de séries e novelas brasileiras, do qual ele gosta mais, pois não é muito ligado a seriados estrangeiros. Adquiriu todos os lançamentos de novelas da TV Globo que viraram DVD, pela Globo Marcas, como “Selva de Pedra” (1972), de Janete Clair, “O Bem Amado” (1973), de Dias Gomes, e “A Sucessora” (1978), de Manoel Carlos. Ivan, que adora rock e costuma se vestir com blusas de bandas internacionais, considera Vítor mais do que um amigo. Para ele, é um irmão que mora em outra cidade. “Já faz parte da minha vida. Ele realizou meu sonho de passar o réveillon em Copacabana, me levou ao bairro da Urca, que foi a locação da minha novela favorita ‘A Gata Comeu’. Sempre me tratou com extremo carinho e é aquele tipo de amigo que mesmo com a distância, sabe que esta lá e que o amor e respeito continuam intactos. Torço e vibro por cada conquista dele como se fosse eu que conquistasse”, conta Ivan, que tem quase a mesma idade de Vítor e sempre demonstra bom humor com os seus amigos de São Paulo e de outras cidades.

O dramaturgo diz que é um absurdo o fato das pessoas se chocarem com as cenas de amor gay no filme “Praia do Futuro”, filme do diretor Karim Aïnouz, lançado recentemente em 2014, estrelado por Wagner Moura. Na história, o personagem de Wagner é um salva-vidas que se envolve com outro homem, com direito a cenas de sexo. A polêmica girou um torno de alguns espectadores, em João Pessoa (PB) e em Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, que saíram no meio da sessão por se sentirem ofendidas com as cenas apresentadas,. “Quanto mais liberdade você tem em se assumir, mais o lado da repressão aparece”, declara. Vítor não tem nenhum problema em falar sobre a sua orientação sexual. Casado há 11 anos com o analista de sistemas aposentado Carlos Fernando Barros, eles têm até a certidão de união estável e vê isso como algo natural. Carlos é natural de Recife e atualmente trabalha com Vítor na produção de textos para peças e roteiros, escrevendo informalmente. Carlos tem dois filhos e dois netos, que estão presentes nas fotografias espalhadas pelo apartamento, como os muitos porta-retratos na mesinha do telefone e nas paredes da sala. Em 2013, lançou o livro “Todas as janelas”, também pela Navilouca Livros. E a foto que ilustra a capa é a paisagem de quase toda a zona Sul do Rio, vista a partir da janela do apartamento deles no 15° andar. Vítor se levanta do sofá, puxa a persiana da janela e abre para mostrar o entorno do prédio, de onde dá para ver o Pão de Açúcar e a Enseada de Botafogo. Para ele, é um privilégio ter essa vista e quando estava procurando um local para morar, visitaram o apartamento e gostaram logo de cara por causa dessa paisagem da janela. Vítor não pretende adotar uma criança, mesmo com o casamento duradouro com Carlos. “Não consigo nem cuidar de mim, imagine de uma criança. Eu gosto de criança, mas não tenho essa vocação paternal”, conta com uma risada discreta. Já teve relacionamento com outras pessoas, inclusive com mulheres, mas não duradouros como o atual. “Namorei mulheres, porém naquela época da descoberta a gente não define a orientação sexual”, diz com a maior naturalidade sobre o tema. O autor complementa que os casais homossexuais sempre sofrem discriminação, mas no caso deles isso não aconteceu. “Eu nunca sofri agressão física por ser gay, mas se eu der um selinho no Carlos poderei ser hostilizado. Você não precisa concordar com a pessoa, é só respeitá-la. Não incomodo ninguém, vivo no meu canto e todo mundo tem ser igual”, declara com muita propriedade e sem medo da censura.

Por falar de igualdade entre as pessoas, Vitor mostra indignação quanto à onda de linchamentos que andam acontecendo no Brasil. “Um dia quase presenciei um linchamento de uma criança de 11 anos no Centro da cidade, uma criança. E é absurdo isso acontecer.” Discorda das pessoas que fazem justiça com as próprias mãos, mesmo que elas tenham motivos para se revoltar diante da onda de violência nas cidades brasileiras. “Não cabe a nós fazermos isso.” A defesa das minorias reprimidas vem desde pequeno e a teledramaturgia teve muita influência na infância de Vitor. Ele diz que a novela que o marcou sobre o tema foi “Guerra dos Sexos”, escrita por Sílvio de Abreu em 1983, contando a história de disputas entre homens e mulheres no mercado de trabalho e da ocupação na sociedade. Tinha seis anos de idade. “Foi uma trama em que acompanhei, adorei os personagens. E formou o meu caráter, tornei-me feminista depois da novela”, ri o dramaturgo, quando resgata essa memória televisiva de sua infância. E a nova trama das 19 horas, “Lady Marizete”, terá essa temática de lutas e conquistas femininas no século 21.

Em assuntos de política, Vitor já decidiu em quem não votar nas eleições de 2014. “Não gosto de política, pois as ideologias de alguns partidos políticos ficam abaixo dos interesses pessoais, após os candidatos serem eleitos. Não pretendo fazer campanha política.” Somente uma pessoa terá o voto dele nas eleições estaduais: o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ). Na opinião do roteirista, o deputado tem ótimas ideias no que se refere à igualdade social e sexual. Reclama do sistema de provas do vestibular, pois as avaliações utilizam conteúdos desnecessários para quem deseja cursar uma faculdade. “Para que eu estudar física e química no vestibular, para cursar Letras na universidade? Isso é um mercado, uma indústria”, questiona inconformado. Defende o sistema de cotas nas universidades e diz que “tudo é educação”. Em se tratando do assunto, o colaborador de telenovelas fala da falta dela em situações como ir ao cinema e ao teatro, onde as pessoas atendem aos celulares e conversam em voz alta. O que mais irrita Vitor é o barulho do toque do celular, que é emitido numa hora que é exigido silêncio. "Eles precisam aprender a usar de forma correta o celular", diz.

Atualmente Vitor se divide entre os primeiros capítulos de "Lady Marizete" e a preparação de um novo curso para roteiristas, com a autora Ingrid Zavarrezi, no Espaço Telezoom, no bairro do Humaitá, zona sul do Rio. O curso "Da Colaboração à Autoria: Workshop de Roteiro para TV" recentemente encerrou o primeiro módulo em maio de 2014, no qual foram quatro aulas com quatro horas de duração. O workshop teve início no dia 29 de março e foi até 3 de maio. O sucesso foi tanto que eles vão preparar um segundo módulo. Serão 12 aulas, sempre aos sábados à tarde. Há a possibilidade de uma segunda turma do primeiro módulo, porém Vitor não poderá ministrar o curso, devido a compromissos profissionais.

Em uma hora e meia de entrevista, Vitor respondeu a todas as perguntas com clareza, mesmo com a timidez predominante na hora de respondê-las. No final da conversa, o companheiro dele, Carlos Fernando, reaparece na sala e começa a puxar conversa para saber o motivo da entrevista com o autor do blog "Eu Prefiro Melão". Disse ter gostado de ouvir a entrevista e lamentou por não ter o exemplar de seu livro para dar de presente. E Vitor queria registrar o momento tirando algumas fotos com o seu celular e postá-las nas redes sociais, como o Facebook e o aplicativo de fotos Instagram. Pega o exemplar do livro "Eu prefiro Melão", autografa e escreve uma dedicatória na contracapa. O bate-papo informal durou por mais uma hora aproximadamente. Vários assuntos entraram na conversa, como o inicio da Copa do Mundo no Brasil e os problemas nos aeroportos do país. Com o término da conversa descontraída, Vitor e Carlos fizeram questão de acompanhar a visita até o elevador. Atenciosos, os dois abriram a porta do apartamento, que fica próxima à cozinha, e pediram para marcar um novo encontro. Assim que o elevador chega ao 15° andar, despedem-se da repórter e voltam ao apartamento assim que a porta do elevador se fecha.