A cultura pop

by Nicolas Mileli
Antes conhecido apenas por empresas de alta tecnologia como Samsung e LG, o país asiático passou a ocupar espaço no cenário mundial também por seus produtos culturais, que vão da música pop ao cinema

Band girl So nyeo Shi dae: versão sul-coreana das Spice GirlsCem mil membros no fórum. Mais de 20 mil seguidores no Twitter e um número que supera os 26 mil inscritos no youtube. Esse é o Soshified. Soshi quem? Soshified é o maior fã-clube mundial do So nyeo Shi dae (mas que pode ser chamado de Girls' Generation ou até mesmo SNSD), uma girl band - grupo de garotas cantando e dançando a la Spice Girls - sul-coreana. O Sj-world é mais modesto. São apenas 37 mil membros no fórum e 15 mil seguidores no Twitter. SJ são as iniciais de outra sensação da música pop coreana, a boy band Super Junior. Antes conhecida apenas pela exportação de seus produtos tecnológicos de última geração pelas empresas Samsung e LG (tente olhar para a sua casa e não ver nenhum produto de pelo menos uma dessas empresas ao redor), a Coréia do Sul agora investe pesado na exportação de seu mais novo patrimônio: entretenimento. De 2005 a 2009, 38 novos grupos de música pop viram a luz do dia na Coreia, um aumento de 150% quando comparado com os anos de 2000 a 2004. No ano passado, mais um marco para a indústria do k-pop (o pop coreano). A girl band Wonder Girls, criada em 2007, entrou no top 100 da revista Billboard, conceituada publicação de música inglesa, enquanto fazia shows pelos Estados Unidos abrindo as apresentações do grupo americano Jonas Brothers. Era a primeira vez que a Coreia do Sul abocanhava uma posição no ranking inglês. E essa moda já alcançou o Brasil. “Eu sempre gostei de pop americano, desde pequena, mas quando conheci k-pop, eu gostei do ritmo, das danças, das letras, de tudo ...é perfeito”, confidencia Camila Cristina, 20 anos e fã de k-pop há 7 meses.


O pop sul-coreano carrega grande influência norte-americana nas suas músicas, com as principais canções contando com refrões em inglês, de fácil memorização do público que não conheça a língua coreana. Mais. As músicas compradas pelas agências de talentos coreanos são criadas por compositores estrangeiros, como foi o caso do hit "Run devil run", do SNSD, em que colaboraram compositores de países como Estados Unidos, Inglaterra e Austrália, dentre outros. Se há semelhança com os Estados Unidos nas músicas, o modelo de criação das bandas tem influência de outro país asíatico, o Japão. As agências de talento caçam cedo seus artistas. Por volta dos 11 anos as crianças viram trainees, aprendem a cantar e a dançar, e começam a se preparar para um possível lançamento no futuro, com cerca de 17 anos. Isso sem, no entanto, abdicarem dos estudos. Quando o sucesso começa a atrapalhar a vida acadêmica, alguns deles acabam por largar as bandas, como foi o caso de Kim Sung-hee, ex-integrante da girl band Kara, que saiu do grupo em 2008, quando o pai reclamou que ela estava negligenciando as atividades escolares.


Wonder GirlsMesmo dividindo o tempo com as aulas, os grupos conseguem espaço nas apertadas agendas para fazer apresentações na TV e continuam a conquistar novos fãs pelo mundo, como é o caso da Vanessa Ceron, estudante de direito. “Uma massa do povo que ouvia de j-rock a j-pop [pop e rock japonês] migrou para os coreanos, não fui só eu. E se você observar no orkut, tem um monte de gente que nem gosta da música do Japão, mas ouve k-pop.” E ela realmente não está sozinha. “A única noção de musica do leste-asiático que eu tinha era de músicas japonesas por influência da família. Aí o k-pop me chamou atenção pelo ritmo mais ‘agressivo’, mas que ao mesmo tempo tinha uma sonoridade meiga”, explica Aileen Nakamura, filha de japoneses e criadora do blog aprendendocoreano.com, que ensina a língua coreana (porque depois de conhecer a música vem a vontade de aprender mais sobre o idioma). “À medida que eu fui conhecendo melhor a cultura, a vontade de aprender o idioma apareceu naturalmente. Odeio ver eles falando e eu sem entender nada”, justifica Camila, uma das mais assíduas frequentadoras do blog Aprendendo Coreano, que já conta com 158 seguidores, um número que surpreende até a própria dona. “Foi surpreendente o interesse das pessoas pela língua coreana”, confessa Aileen. “Considerando o tempo de vida [menos de sete meses] acho que é um sucesso. Meu amigo de um blog que ensina japonês reclamou que ele levou mais de um ano para ter 120 seguidores e eu em quatro meses tinha isso.” O site é o primeiro, e por enquanto único, a ensinar coreano em português e de forma gratuita, justificando seu sucesso.

 

Destaque também para o cinema

Boy band Super JuniorMas não é só a música que está posicionando a Coréia do Sul no mapa do entretenimento mundial. O cinema é outra arte que vem sendo agraciada com a popularidade de fãs pelo mundo. No primeiro semestre, dois filmes sul-coreanos entraram em cartaz nos cinemas brasileiros. Mother, do cineasta Joon-ho Bong, e que concorreu a melhor filme estrangeiro no Oscar esse ano saiu em abril, junto com Sede de Sangue, de Park Chan-wook, que disputou a palma de ouro no Festival de Cannes, a mais importante premiação do cinema, em 2009. Além deles, o filme norte-americano Ninja assassino, protagonizado pelo ator e cantor sul-coreano  Rain, estreou em fevereiro. O ator ainda levou um prêmio no MTV Movie Awards de 2010. No cinema, o início da ascensão do pequeno país asiático data de antes da música. Em 2003, Oldboy ganhou o prêmio do Júri de Cannes, sendo o primeiro filme sul-coreano a alcançar tal proeza. No mesmo ano, outro cineasta despontava. Era Kim Ki-duk, diretor de Primavera, verão, outono, inverno e... primavera. “Esse é um dos filmes mais bonitos que eu já vi”, declara Alan Denadary, cinéfilo e fã de cinema oriental. “Eu gosto de vários filmes coreanos porque eles se preocupam muito com a beleza visual. Não só a Coreia, mas os países asiáticos em geral”, completa.


Os críticos de cinema classificam as obras do cinema sul-coreano como usuárias de elementos da cultura pop para criar sua aura única. O filme Oldboy, por exemplo, faz uso de altas doses de violência para desenvolver seu enredo e ainda conta com uma cena em que Oh Dae-su, protagonista, se desloca numa maneira bem similar àquela vista em jogos de videogame enquanto bate nos seus inimigos. Esse foi o marco do cinema sul-coreano. A partir daí, a maioria das obras passou a utilizar de violência e cultura pop para contar suas histórias. E a acumular prêmios. O próprio Park Chan-wook foi premiado por seu filme Sede de Sangue em Cannes ano passado e esse ano foi a vez do longa Hahaha receber um prêmio no festival francês.


Mas o sucesso do entretenimento da Coréia do Sul não veio por acaso. “O país abriu as portas para os coreanos do exterior e para o mundo para mostrar mais da sua cultura não faz muitos anos. Então eles estão investindo forte nessa propaganda patriota para o mundo. Muitas bolsas de estudo foram concedidas para lá (tem muito poucos estudantes de fora vivendo lá). Vender a imagem dos grupos musicais também faz parte do processo”, salienta Aileen. E apesar de todo o avanço econômico da China, é a Coreia do Sul, um pequeno país ao sul da península coreana, que vai lentamente se agigantando e caminhando para dominar culturalmente toda a Ásia. Em agosto duas girls bands coreanas vão estrear no Japão depois de conquistar Tailândia, Indonésia, Filipinas, dentre outros países. Será o último passo antes de tentar invadir de vez a América e a Europa e cair nas graças do público de todo o mundo, afinal, segundo Aileen, “é o popzinho feliz que faz sucesso em qualquer parte do mundo. É a fórmula que dá certo”.  E tem dado mesmo. Miguel Falabella que o diga. “É impressionante o cenário pop musical na Coréia, né?”, postou recentemente o ator e escritor em seu Twitter. É a cultura da Coreia. Para o mundo.